Uma Rainha queria muito ter filhos e sofria por não conseguir. Uma vez, perdendo a paciência, pediu que Deus lhe desse um herdeiro de qualquer jeito. Podia até ser um bicho. Meses depois, ela deu a luz a uma criatura estranha com corpo de lagarto.
Mesmo sendo um monstro era filho da Rainha! Foi tratado como príncipe com tudo que tinha direito. Mas aconteceu um problema: quando a ama entregou o seio para o Lagartão mamar, o bicho deu um apertão tão forte com as gengivas que arrancou fora o peito da pobre. E isso aconteceu com todas as amas que tentaram dar de mamar ao Príncipe Lagartão.
As mulheres corriam de medo de trabalhar no palácio. O Príncipe, que apesar de lagarto tinha a voz de menino, chorava com fome. A Rainha não sabia o que fazer vendo seu filho morrer de fome. Ofereceu prêmios e muito dinheiro a quem fosse capaz de alimentar o herdeiro do reino.
Atraídas pela fortuna e presentes, as amas compareciam, mas todas ficavam sem o peito, cortado pelo lagarto no momento de começar a mamada.
Trabalhava perto do palácio um ferreiro que tinha uma filha. A jovem era inteligente como uma fada e querida por quem a conhecia. Ela se chamava Maria e sabendo do caso do Príncipe teve uma idéia para resolver o problema. Mandou o pai fazer um peito de ferro e foi para o palácio. Ofereceu-se para trabalhar como ama. A Rainha avisou do problema do filho e Maria explicou;
- Rainha, minha senhora, pedi a meu pai para fazer uma armação de ferro na forma de meu seio! Encherei esse armação com leite e o príncipe pode mamar sem machucar ninguém!
A Rainha deixou Maria trabalhar no palácio. A moça encheu a armação com leite, amarrou aquilo no seu busto e deu de mamar ao Príncipe Lagartão. O pequeno ficou com as gengivas machucadas de tentar arrancar aquele peito. Mamou, mamou, ficou satisfeito e adormeceu. Tudo ficou tranquilo e os anos foram passando sem problemas.
Acontece que, sendo alimentado, o Príncipe Lagartão cresceu. Ficou enorme. Era estranho, medonho: tinha os olhos e a voz humana, mas continuava com aspecto de lagarto.
Quando ele ficou adulto, a Rainha achou que o Príncipe tinha que casar. Foi colocado um anúncio no reino convidando as moças a comparecer ao palácio para que o Príncipe Lagartão escolhesse sua esposa. Mas nenhuma moça quis casar com aquele bicho mesmo sendo herdeiro de um reino. A Rainha falou com seu filho que ninguém queria ele como esposo e o Lagartão respondeu:
- Não tem importância, Rainha, minha mãe! Já escolhi minha noiva! É a Maria que me criou com o peito de ferro! Mande chamá-la e pergunte se quer fazer esse outro sacrifício por mim!
A Rainha mandou chamar Maria e contou o desejo do Príncipe. A moça pediu três dias para responder e foi rezar. Rezou, rezou e rezou pedindo que Deus mostrasse os caminhos certos. Voltou ao palácio e aceitou a proposta.
Fizeram o casamento no palácio. Maria ficou bonita como o raiar do dia. O noivo arrastava-se todo vestido de seda verde, bordada de ouro e pedras preciosas. Houve muita festa. No fim dos festejos o novo casal foi conduzido ao quarto.
Logo que entraram o Príncipe Lagartão apagou a luz e ficou tudo nas trevas. Maria mudou a roupa e deitou-se. Apesar da escuridão a noiva reparou que o marido estava no meio do quarto, em pé, como um homem. Ele ia tirando uma por uma sete capas e deitando as no chão. Quando arrancou a última capa estava um homem perfeito. O rapaz foi para o leito e Maria fingiu que não viu nada.
Pela manhã, quando Maria acordou, o Príncipe estava novamente como um lagartão. Esverdeado e feio. A moça contou para a Rainha o que tinha acontecido e ela lhe disse:
- Maria, vista sete saias brancas, virgens de uso, molhadas na água de laranjeira. Quando for para o quarto fique na beira na cama, sentada, sem mudar a roupa. O Príncipe vai perguntar por que você não troca à roupa. Diga que só o fará ao mesmo tempo que ele. Cada saia que você tirar ele fará o mesmo com uma capa e você reza uma Ave-Maria. No fim, quando acabarem, você pega a mão dele e espeta a ponta do dedo com esse espinho. Faça o que lhe digo e seja feliz, minha filha!
A Rainha deu o espinho a Maria. A jovem se bem ouviu, melhor fez.
De noite, na hora de dormir, sentou na cama vestida com as sete saias. O Príncipe Lagartão, habituado com a mulher ir logo deitando para descansar, ficou de pé como um homem, no meio do quarto, na escuridão. Reparando que a mulher estava acordada e vestida perguntou:
- Maria, não vai trocar de roupa para dormir?
E a jovem respondeu:
- Trocarei de roupa junto com você, meu Príncipe! Pode ser assim?
O Lagartão aceitou, acreditando ser uma brincadeira dela, e tirou a primeira capa colocando a em cima do tapete. Maria tirou uma saia e rezou uma Ave-Maria. E foram assim, peça por peça, até as últimas. Maria então pegou a mão do Príncipe e espetou o dedo dele com o espinho. O jovem sentiu uma dor profunda e soltou um grito. Imediatamente o quarto ficou claro como o dia e no meio estava um rapaz bonito, forte e bem feito! Belo como o sol! As sete capas ficaram transformadas em mantos lindos e as sete saias em flores de laranjeira. Maria e o Príncipe acordaram todos do palácio para contar que o encanto tinha terminado e fizeram sete dias de muita festa.
E foram todos muito felizes!
Felizes como Deus com os anjos! Felizes para sempre
Adaptação de Augusto Pessôa
do conto popular “Príncipe Lagartão”